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Caro Diogo,

Aproveitando o último parágrafo para acrescentar uma perspectiva jurídica, vale a pena recuperar um tema que já foi objeto de um projeto de lei na AR em 2023 e que voltou à baila nas últimas semanas por ter sido abordado em diferentes frente-a-frente no caminho para as eleições de 2024. Trata-se da proposta de restrição de compra de casa por não residentes e da sua eventual incompatibilidade com o direito da União Europeia, no que respeita aos direitos dos nacionais de Estados-Membros.

A incompatibilidade que tem sido propalada não é exatamente assim. É certo que um dos fundamentos da proibição de discriminação pelo direito da UE é baseado em razão da nacionalidade. Ou seja, não se pode tratar desfavoravelmente um cidadão europeu em face de um cidadão nacional apenas por esse motivo. No entanto, não está de todo em todo vedada a restrição quanto à residência. Isto aplica-se a todas as vertentes do mercado interno e as chamadas "quatro grandes liberdades" (circulação de pessoas, bens, serviços, capitais e estabelecimento).

Assim, é perfeitamente admissível - e há imensos exemplos - de leis nacionais que criam situações mais favoráveis para os residentes (sejam eles nacionais ou cidadãos de outro Estado-Membro) em detrimento daqueles que não vivem no país. O princípio só se aplica se a situação dos envolvidos na comparação for objetivamente semelhante. Se não o for, não há direito à igualdade de tratamento.

Poderá, por isso, ser um fundamento legítimo, à luz dos critérios do direito da UE, a distinção entre uns e outros. Basta que se encontre um direito a preservar como contrapeso (interesse público em haver habitação para os nacionais, por exemplo. Ou preservação cultural e histórica das baixas de Lisboa e Porto. Ou mesmo uso útil da casa como mercadoria. Ou ainda mera necessidade: os residentes precisam mais de ter onde viver do que os não residentes que são turistas ou não habituais).

Bem sei que haverá opiniões jurídicas para todos os gostos. Esta é mais adequada para defender o que consideramos melhor para Portugal. A medida é defensável, com bons argumentos, bem fundamentados.

De resto, o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia, em Grande Secção, já o disse no acórdão Cali Apartments SCI, de 22 de setembro de 2020, nos processos apensos C-724/18 e C-727/18.

Passo a citar: a Diretiva 2006/123, relativa aos serviços do mercado interno aplica-se "a uma regulamentação de um Estado‑Membro relativa a atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, tanto a título profissional como não profissional".

Além disso, as suas normas devem ser interpretadas "no sentido de que uma regulamentação nacional que, por razões que visam garantir uma oferta suficiente de habitações destinadas à locação de longa duração a preços acessíveis, sujeita certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, a um regime de autorização prévia, aplicável em certos municípios nos quais a tensão sobre as rendas é particularmente acentuada, é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral atinente à luta contra a escassez de habitações destinadas à locação, sendo proporcionada ao objetivo prosseguido, uma vez que o mesmo não pode ser alcançado por uma medida menos restritiva".

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Caro Tavares marques, agradeço o seu comentário. Obrigado pela partilha de todo esse detalhe no conhecimento jurídico. É muito útil. É por isso que o diálogo faz tanta falta. Abraço.

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