No Movimento das Forças Armadas havia revolucionários e golpistas. Os primeiros seriam em maior número do que os segundos. Mas quando Marcello Caetano se rendeu no Carmo nada estava decidido. O golpe foi revolução pelos populares que logo naquele dia afluíram às ruas, pelos que cercaram a PIDE, pelo mar de gente que inundou o país no 1º de Maio, pelos milhares que levantaram barricadas no 28 de setembro, pelos que exigiram a democracia económica a partir de 11 de Março, pelo ativismo incansável pela alfabetização, pela educação, pela saúde e pela educação. Foi essa movimentação cívica e política que forjou a constituição de 76 e que, pese embora os atropelos das revisões constitucionais, permanece até hoje.
Vem isto a propósito daqueles que nesta data gostam de evocar Abril como uma data neutra, que a todos acolhe, a todos se molda e a todos convém. Uma data onde uns militares fizeram uma coisa lá pela madrugada com umas flores nas espingardas e a partir daí o pessoal passou a poder votar e expressar-se livremente. Nesses momentos, convém recordar que as revoluções são descontinuidades, é certo, mas que nem por isso alguma vez se resumem ao dia em que sucedem. Estendem-se num longo processo de disputa que tende a desembocar num novo momento refundacional. Para o caso português, os termos dessa refundação foram fixados na Constituição de 1976. Vale de pouco discutir quem ganhou e quem perdeu. Mas ganharam por certo aqueles que conseguiram incluir o repúdio desassombrado do fascismo (por oposição auma transições ambígua, como o modelo espanhol) e que conseguiram tirar a Educação e a Saúde ao mercado, delas fazendo eixos fundamentais para a democracia que se pretendia construir. E mais: que todo este processo de disputa e participação democrática profundamente livre começou logo a 26 de abril de 74 e não em novembro de 75.
Quem forjou a revolução foi o povo. O verdadeiro sujeito histórico da data que se comemora. A 26 de Abril nada estava decidido. Tivéssemos ficado à mercê do golpismo do Spínola e do Jaime Neves e não seria para aqui que tínhamos caminhado. Não lhes devemos nada.
São necessários mais textos destes, que desmascarem a reescrita da história e a tentativa de apagar aquilo que foi feito. Bom texto.